João Alvarenga
Dia do descompromisso

Você já teve vontade de não fazer nada de útil o dia todo? Tirar um dia só para si. Confesse, você já teve vontade de faltar do trabalho porque acordou com a sensação de que simplesmente não dormiu. A noite toda, revirou-se na cama e não achou jeito de pregar os olhos. Parecia que tinha espinhos no travesseiro. Pior, pela cabeça ava mil imagens do que teria de fazer no dia seguinte. E, quando o soninho começou a chegar, os alaridos das maritacas te chamavam para mais uma batalha. Até quis ficar na cama, inventar uma desculpa qualquer; mas a realidade bateu forte: as contas não tiram folga.
Bem que você quis ficar inerte, no seu jardim de sua casa, contemplando pássaros e borboletas. Com a mente totalmente esvaziada, sem pensar em absolutamente nada. Ou então, desejou fazer um tranquilo eio com os filhos, no zoológico, em plena segunda-feira, sem se preocupar com os compromissos e cobranças do mundo corporativo. Havia planejado até um cineminha no final de tarde. Porém, o seu senso de responsabilidade falou mais alto. Assim, resignadamente, apagou os planos de sua mente e se entregou à rotina exaustiva de mais uma lida. Seja por honra da firma ou pelo bem-estar da família. E o lazer? Quem sabe quando se aposentar.
Diante do quadro descrito acima, ficamos imaginando do quanto que perdemos de qualidade de vida em favor da manutenção de nossos empregos, sem os quais não conseguiríamos honrar as dívidas assumidas em favor do consumismo e de um razoável conforto. Porém, estudos confirmam que trabalho em excesso não é saudável, pode até enriquecer o patrão; mas o empregado, ao longo do tempo, vai sentir os efeitos de sua extremada dedicação. Claro que tal empenho visa garantir a nossa permanência na empresa, porque quem não produz não come.
Mas, a cobrança dos esforços redobrados vem com o tempo, seja no corpo ou na mente. A isso os especialistas chamam de “Doenças Profissionais”. O problema é que os sintomas dessas moléstias demoram a se manifestar, principalmente quando a parte psicológica é afetada. Um levantamento recente do Ministério da Previdência Social constata que, de 2014 a 2024, mais de quatrocentos mil profissionais foram afastados do trabalho com quadros de transtornos mentais, destacando-se as crises de ansiedade e depressão.
Classificadas pelos estudiosos de “doenças silenciosas”, tais distúrbios são decorrentes de vários fatores, sendo os mais comuns: sobrecarga de trabalho, jornadas extenuantes (inclusive fora do ambiente corporativo), pressão dos líderes e assédio moral. Esse quadro se agravou depois da pandemia, quando os empresários inventaram o “Home Office”. A partir daí, o ambiente corporativo invadiu a vida doméstica. Assim, adeus, descanso.
Uma vez que os parlamentares aprovaram a “semana de um dia”, ou seja, só comparecem ao “árduo” trabalho de votar os projetos de lei, às quartas-feiras, imaginamos que todos os trabalhadores também tivessem direito a um dia especial de folga, no meio da semana, sem a necessidade de atestado médico. Detalhe: essa folga extra seria atribuída fora do descanso semanal remunerado que a CLT já determina. Seria interessante que o Congresso Nacional aprovasse o “Dia do Descompromisso” ou da “sagrada preguiça”.
Já pensou nos benefícios de ter um dia a mais para sua vida pessoal, no qual simplesmente desconectaria sua mente dos problemas do mundo corporativo. Tempo livre apenas para respirar. Na Grécia antiga, o “ócio criativo” era valorizado. Parece que a preocupação com a saúde dos operários chegou ao parlamento brasileiro, pois há várias Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que visam reduzir a jornada de trabalho, com redução entre 40 e 36 horas semanais. Embora isso contrarie alguns, a ideia parece interessante, pois não só geraria novas vagas com carteira assinada, com mais contribuintes à Previdência, como reduziria o estresse no trabalho. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação