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Celso Ming

O dólar pode ser substituído?

05 de Maio de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: FREEPIK)

Ainda não está claro o que Donald Trump revogou nestes 100 dias de mandato, a ponto de acabar com a ordem econômica global vigente e impor uma nova. Os recuos feitos são suficientes para levantar dúvidas sobre a capacidade do governo dos Estados Unidos de revogar tudo.

Trump deu um cavalo de pau nos efeitos menos importantes da perda de hegemonia dos Estados Unidos. Pretendeu restabelecer a força do Cinturão da Ferrugem (siderurgia) e acabar com o esvaziamento da indústria manufatureira, como a das montadoras.

Para isso, acabou com o livre comércio e instituiu um protecionismo draconiano por meio dos tarifaços, o que iniciou uma guerra comercial, principalmente com a China — embora os chineses tenham se mostrado dispostos a negociar. Enfraqueceu as instituições multilaterais, em especial a Organização Mundial do Comércio. Bloqueou os fluxos migratórios. Ameaçou intervir no Fed, o banco central americano, e na política de juros. Começou a destituir titulares do Poder Judiciário. Insiste em querer anexar o Canadá e a Groenlândia aos EUA. E até determinou a mudança do nome do Golfo do México.

O resultado imediato foi o desmonte da estrutura de fluxos de produção e distribuição ao redor do mundo. Tornou inevitável a inflação e a recessão. Se voltar para os Estados Unidos, o que é duvidoso, a indústria não levará para isso menos de cinco anos. Não há nenhuma garantia de que as contas públicas entrarão em ordem a ponto de assegurar o financiamento futuro da dívida dos Estados Unidos.

A impressão é de que o tarifaço e tudo o que veio junto não am de esperneio de Trump pela perda crescente de hegemonia global, sem que suas medidas indiquem condições para recuperá-la.

A disparada dos preços do ouro e a queda do valor dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos expõem rachaduras no nível de confiança na política econômica americana e na solidez do dólar.

Como se acomodarão as coisas ainda é incógnita. Lembram a situação de transição ao longo do período do Imperador Adriano (117 a 138 d.C) em que o politeísmo não servia mais para explicar o mundo e a crença no novo Deus ainda não havia se consolidado.

O que poderia substituir o dólar como meio de pagamento e como reserva de valor no mundo, supondo que Trump não voltará atrás no essencial?

Por enquanto não há nada que possa exercer esse papel. Mesmo derretendo-se todos os anéis, joias e coroas dos reis, a quantidade de ouro no mundo não é grande o suficiente para que o padrão-ouro possa ser reimplantado. E as demais moedas, como o yuan, o euro e as criptomoedas não têm densidade nem confiabilidade suficientes para tomar o lugar do dólar como meio de pagamento, unidade de conta e reserva de valor.

É essa certeza de que o dólar continua indispensável, apesar de tudo, é justamente o que aumenta a incerteza global — e não o contrário.

Celso Ming é comentarista de economia.