(IN)gratidão
“Alimente uma pessoa por trinta anos, e ela te esquecerá em três dias; alimente um cão por três dias, e ele não te esquecerá em trinta anos”. Talvez, esse provérbio, mais do que revelar o quanto os animais são fiéis aos seus tutores, também evidencia uma face desprezível das atitudes humanas: a ingratidão! Aliás, esse tema está presente em: poemas, músicas, filmes e novelas. O poeta Augusto dos Anjos, em “Versos Íntimos”, verseja: “Vês, ninguém assistiu ao formidável enterro da tua última quimera/Somente a ingratidão — esta pantera — foi tua companheira inseparável”. Tais versos evidenciam a condição deplorável do “eu lírico”, diante do abandono. Já a canção “Cidadão”, de Zé Geraldo, traz outro enfoque, quando diz, bem no final: “Hoje o homem criou asas/e na maioria das casas/eu também não posso entrar”, para mostrar o desprezo de parte da humanidade pela fé.
Fora das artes, no cotidiano, tal idiossincrasia faz grandes estragos nas relações interpessoais, sob os mais variados contextos, especialmente quando envolve troca de favores entre familiares. Não são raros os casos, em que um parente se desdobra, em uma árdua tarefa, apenas para ver um familiar feliz; mas, estranhamente, nem sequer ouve um simples “muito obrigado” de quem foi ajudado.
Todavia, nem sempre o reconhecimento acontece como desejamos. A frustração vem antes. Há situações em que o agradecimento chega tardio, porque o ente querido, que tanto fez, já não está mais vivo. O pior, mesmo, é a tal da indiferença, porque abre fendas que não se cicatrizam facilmente. No entanto, é no ambiente doméstico que a ingratidão vem travestida de esquecimento. Vejam este exemplo: os pais fazem de tudo para que os filhos, não só se sintam amados e protegidos, mas tenham do bom e do melhor. Porém, parece que nem sempre esses esforços são reconhecidos pelos filhos que ignoram tais sacrifícios.
Lamentavelmente, a maioria dos adolescentes sempre exige mais do que seus pais podem dar. Detalhe: nunca é o suficiente. Logo, por mais que os pais se desdobrem, os filhos nunca estarão plenamente satisfeitos, pois sentem que lhes falta algo. Assim, um presente caro, que estourou o limite do cartão de crédito, rapidamente é esquecido. Sob tal aspecto pesa outro comportamento nocivo: o consumismo, que gera adultos inseguros e insatisfeitos, numa sociedade cada vez mais hedonista. Desse modo, grande parte dos filhos não corresponde às expectativas de seus progenitores, pois pensam: “não fazem mais do que a obrigação”. E, quando a velhice chega, aqueles que tanto cuidaram de sua prole, simplesmente, são esquecidos em um asilo.
Fora do contexto familiar, a ingratidão também transita por outros ambientes. A escola é um deles, pois boa parte dos alunos ignora o empenho de seus professores no processo de alfabetização. Ensinar não é tarefa fácil, pois exige do educador mais do que meramente transmitir aquilo que sabe. Hoje, até a inteligência artificial faz. Para educar bem, é preciso ter amor e dedicação. Antigamente, os mestres eram tratados com carinho. Inclusive, há um filme antigo como esse nome, que vale a pena a nova geração assistir, pois valoriza o trabalho dos docentes. Mas, atualmente, dado ao ritmo frenético da sociedade, parece que isso é pouco percebido no dia a dia de uma sala de aula agitada.
Além disso, nestes tempos, não há limites para exigências. Assim, vivemos em contínuo estado de estresse crônico. Não é atoa que a depressão se tornou o “mal do século 21”. Afinal, todos nós estamos sob constante pressão. Ou seja, todo mundo se sente cobrado, de alguma forma, por alguma coisa que não sabe bem o que é. Assim, pai cobra filho, filho cobra pai. Esposa cobra marido ou vice-versa. No ambiente corporativo, a cobrança é ainda maior. Mas, nem sempre a valorização vem no mesmo nível. Como sair dessa? Palavra-chave: gratidão! Bom domingo
João Alvarenga é professor de redação.