Editorial
A preocupação do ‘Careca do INSS’

Apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o “epicentro da corrupção ativa” que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) investigam no âmbito da Operação Sem Desconto que descobriu que associações descontavam mensalidades nos benefícios de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem autorização, representando um prejuízo estimado de até R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, o empresário Antonio Carlos Camilo Antunes se incomodou com o fato de ser chamado de “Careca do INSS” — apelido com o qual é identificado no inquérito que tramita na Justiça Federal — e acionou a Justiça do Distrito Federal para proibir o apelido.
Essa, ao que parece, é a maior preocupação dele: ser chamado de careca. Na verdade, quem deveria processá-lo são todos os carecas, principalmente os aposentados.
É claro que a Justiça do Distrito Federal negou o pedido do “Careca do INSS”. A decisão foi proferida no domingo (18) pelo juiz José Ronaldo Rossato, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
O magistrado rejeitou uma queixa-crime apresentada pelo investigado contra os proprietários de um site de notícias do DF. Segundo a defesa de Antunes, a publicação teria cometido os crimes de calúnia, injúria e difamação ao escrever que o acusado comprou uma mansão em Trancoso (BA) com “dinheiro vivo”, fato que poderia caracterizar lavagem de dinheiro. Além disso, os advogados alegaram que o termo “Careca do INSS” tem teor pejorativo e ofende a reputação de seu cliente. Mas roubar aposentados e pensionistas pode!
Ao analisar o caso, o magistrado entendeu que a matéria jornalística somente veiculou informações públicas sobre a investigação e não imputou crimes ao investigado. “As expressões utilizadas nas matérias jornalísticas, inclusive a alcunha Careca do INSS, embora de gosto duvidoso, não se reveste, por si só, de carga ofensiva suficiente para configurar crime”, decidiu o juiz.
Dois dias depois da decisão judicial contra o “Careca do INSS”, na manhã de terça-feira (20), policiais federais apreenderam cinco carros de luxo pertencentes a Antunes. O mandado de busca e apreensão foi expedido pela 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Em um único endereço ligado a “Careca do INSS”, em Brasília, os agentes federais apreenderam um Land Rover, duas BMWs (modelos Competition e M135i) e dois Porsches (Panamera e 911).
Segundo a Polícia Federal, somados, os veículos valem cerca de R$ 3,28 milhões e podem ter sido adquiridos com recursos oriundos da fraude aos aposentados. Isso sim é altamente ofensivo à sociedade brasileira. Sobre isso, a defesa do “Careca do INSS” preferiu esperar um pouco para se posicionar.
No inquérito policial originado na Operação Sem Desconto, Antunes é apontado como sócio de várias empresas investigadas por suposto envolvimento na chamada “Farra do INSS”, e suspeito de, direta ou indiretamente, transferir grandes quantias em dinheiro a agentes públicos também investigados, “possivelmente a título de vantagem indevida”.
“O ‘Careca do INSS’ desempenha o papel de facilitador no esquema, atuando como consultor para várias entidades que firmaram acordos de cooperação técnica com o INSS. Por meio de suas empresas, destacando-se a Prospect Consultoria Empresarial, é responsável por intermediar as negociações e movimentar os recursos financeiros”, afirma a Polícia Federal.
Apenas em 2024, o empresário e a mulher dele alcançaram um patrimônio de R$ 14,3 milhões por meio de transações imobiliárias.
Devido às suspeitas, no último dia 9 de maio , a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu à Justiça Federal que autorizasse o bloqueio dos bens de Antunes e de suas empresas. Dias antes, a própria AGU já tinha determinado o bloqueio de bens e contas de 12 associações investigadas por suposto envolvimento no esquema fraudulento.
Os bloqueios e a apreensão de bens fazem parte da operação para ressarcir os aposentados e pensionistas lesados. Até ontem (22), mais de 1,7 milhão de pessoas tinham pedido o reembolso de valores descontados sem que elas tenham autorizado.