A guerra comercial que o mundo não pode mais bancar

Por Cruzeiro do Sul

A sinalização de que a China pode considerar uma proposta de negociação dos Estados Unidos para resolver a guerra comercial é, sem dúvida, um dos poucos respiros diplomáticos que a comunidade internacional recebeu nos últimos meses. Contudo, a exigência chinesa de que Washington reverta as tarifas impostas antes de qualquer conversa efetiva evidencia que o ime entre as duas potências ainda está longe de ser superado.

Desde o início da escalada tarifária imposta pelo então presidente Donald Trump, que aplicou taxas de até 145% sobre importações chinesas, o mundo ou a testemunhar um jogo de forças marcado não apenas por retaliações econômicas, mas por uma disputa de hegemonia global. A China, por sua vez, não se intimidou e contra-atacou com tarifas de até 125% sobre produtos norte-americanos. Desde então, a tensão ou a moldar o cenário econômico internacional, com efeitos colaterais sentidos por quase todos os países do globo.

Mais do que uma disputa bilateral, essa guerra comercial representa uma ruptura nas bases do multilateralismo econômico que sustentou o crescimento global nas últimas décadas. A interdependência econômica entre nações, que outrora servia como garantia de estabilidade, transformou-se, nesse contexto, em campo de batalha para a imposição de interesses estratégicos.

Para além das tarifas, há também o fator geopolítico. A guerra comercial se desenrola paralelamente a uma disputa por controle tecnológico e influência política. A ofensiva dos EUA visa conter o avanço chinês em áreas críticas como inteligência artificial, semicondutores e telecomunicações, setores nos quais o Ocidente já não detém o monopólio da inovação. Do lado chinês, o plano é consolidar uma autonomia estratégica, reduzindo sua dependência tecnológica e financeira de potências ocidentais.

O mais recente capítulo desse conflito envolve a tentativa americana de pressionar Pequim quanto à produção e exportação de fentanil, droga sintética que alimenta uma grave crise de saúde pública nos Estados Unidos. A China, segundo fontes próximas ao governo Xi Jinping, estuda medidas para coibir esse comércio como gesto de boa vontade, e possível moeda de troca para destravar o diálogo. Wang Xiaohong, conselheiro próximo de Xi e autoridade máxima da segurança interna chinesa, está à frente dessas articulações, em um movimento que demonstra o peso estratégico dado à questão.

No entanto, os efeitos dessa disputa não se restringem às nações envolvidas. A desorganização nas cadeias de suprimento globais, a volatilidade nos mercados financeiros, a elevação dos custos de produção e o aumento da insegurança comercial atingem em cheio países em desenvolvimento, como o Brasil, que dependem do equilíbrio entre os dois gigantes para manter suas exportações, importar insumos e garantir investimentos.

Nesse cenário, é imperativo que ambas as potências retomem a via diplomática com seriedade e responsabilidade. A reversão das tarifas, embora simbólica, pode representar o início de um novo ciclo de entendimento. Mais do que isso, é preciso construir compromissos multilaterais, restabelecendo instituições internacionais como fóruns legítimos de negociação. A Organização Mundial do Comércio (OMC), enfraquecida nos últimos anos, precisa ser fortalecida para evitar que futuras disputas escalem sem mediação.

Além disso, qualquer negociação futura precisa levar em conta os compromissos climáticos e os desafios da transição energética. Não se pode conceber um novo acordo comercial que ignore o papel estratégico que Estados Unidos e China têm na luta contra a crise climática; especialmente em áreas como controle de emissões industriais, energias renováveis e tecnologia limpa.

Portanto, o mundo assiste, mais uma vez, à encruzilhada em que se encontram as duas maiores potências do planeta. A insistência em uma guerra comercial prolongada não interessa a ninguém. Já ou da hora de líderes dos dois países colocarem os interesses coletivos acima de suas rivalidades estratégicas.